Direcionar o leme, mantendo-o firme e flexível, descansar o olhar no horizonte, estar atenta às oscilações do clima, recuar nas tempestades, avançar ao sol e estrelas, lançar âncoras, recolher e seguir viagem ...Partir, chegar e rumar novamente para mares desconhecidos e retornar a portos onde ficaram pedaços do nosso coração.
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domingo, 1 de abril de 2012
O Espírito do Fogo
 
Outono de 1861, dia 09 do mês de outubro, Barcelona, Espanha.
Meio da manhã de um dia claro, as paisagens estavam verdejantes e o  clima tão ameno que mesmo oscilando nos altos e baixos do dia, não  ultrapassava 27 graus e convidava a gente do lugar a mais um espetáculo  de vida! O prenúncio era de felicidade cotidiana...
Numa praça  da cidade, Praça de Quemadero, cerca de oito homens em seus diferentes  papéis, cumpriam, com suas emoções quase imperceptíveis, ordens da  autoridade religiosa local, que condenava ao fogo inquisidor, cerca de  300 livros que “renegavam” a fé vigente no poder e poderiam se intactos,  disseminar suas idéias apócrifas pelo país. Os livros falavam de moral,  de fé, de fenômenos espirituais, de ciência, de mediunidade, de uma  nova doutrina (que segundo alguns, supostamente poderia virar a cabeça  dos homens) e falavam de Deus.
O olhar do padre da comitiva  queimou por alguns instantes os olhos de um homem dentre os muitos que o  miravam daquela multidão enfurecida que assistia ao improvável  espetáculo. O homem desviou o olhar do religioso e pousou na cruz que  ele carregava em suas mãos e que sarcasticamente simbolizava outra  queima de idéias cometida há 1861 anos antes e pensou: Até quando nos  repetiremos?
O escrevente da ata do caloroso espetáculo se  colocou cautelosamente numa posição afastada do fogo, que era alimentado  por três serventes da alfândega suados pelo calor e pela energia de  indignação que vinha do povo que gritava seus “abaixos” àquele arremedo  de inquisição.
Aos poucos a fumaça dos fogões vai se espalhando  no ar, lembrando a todos que já era hora de voltar. Não sem antes,  muitos revirarem os escombros da violência e carregarem consigo páginas  amarelecidas, mas salvas do espírito do fogo.
Verão de 2012, dia 11 do mês de Março, Rio de Janeiro, Brasil.
Final da tarde de um domingo ensolarado de fim de verão, poucas nuvens  no céu, a temperatura não excedia os 31 graus e a gente do lugar já  caminhava em direção aos bares, praias e outras direções. O prenúncio  era de noite estrelada.
Numa casa espírita da cidade, cerca de  três mulheres, munidas de suas autoridades de bibliotecárias do local,  com suas feições impassíveis, arrumavam na estante de ferro muitos  livros romanceados doados por um colaborador. Nos lugares de destaque e  mais acessíveis das prateleiras, eles foram arrumados em ordem  cronológica e adesivos brancos com letras vermelhas foram colados  sinalizando os autores. Na última prateleira, quase no chão, traduções  daqueles livros queimados na Espanha, se agrupavam em bom estado, mas  empoeirados e poupados dos olhares dos que passavam por lá. E era como  se ecoasse no local a constatação de que o fogo não consegue destruir  idéias, mas o espírito destruidor da ignorância do homem pode abafá-las.
O Espírito do Fogo só habita no caráter do homem encarnado, que faz dele, o ferro que forçosamente formata convicções.
Possa nosso fogo interior queimar apenas a inércia, incongruências, paradigmas e falácias...
Que nosso fogo espiritual siga aceso para iluminar mentes e seu calor seja acolhedor e seguro.
segunda-feira, 5 de março de 2012
O Espírito da Água
Os copinhos de plástico arrumados ao redor da jarra transparente,  formavam um arranjo circular e curioso, que aguçava a imaginação das  crianças que vez ou outra entravam no salão esperando a hora do objeto  de desejo ser liberado para o consumo.  Cupcakes não fariam melhor e a  ansiedade infantil já começava a contagiar os mais velhos presentes, que  lançavam olhares dissimulados para a mesa afastada no canto da sala. 
Um e outro bebê choravam e eram embalados pelo movimento das pernas das  mães, mas relutavam no choro até que um pai envergonhado pelos olhares  críticos vindos dos componentes da mesa resolve sair e respirar a fresca  da noite, contrastante com o ar pesado e quente que duelava com os  barulhentos ventiladores de teto do ambiente.
O Ritual ainda  estava no meio... Já acabara a oração inicial embalada por uma música  orquestrada que lembrava a Ave Maria, já houvera a troca de confetes  entre o palestrante e os dirigentes, o pedido de silêncio por uma  senhora firme e os recursos áudio-visuais já tinham sido explorados – O  hino de São Francisco de Assis, acompanhado em canto pelos presentes e  enfim  a palestra  do dia ilustrada por slides, que falava como todas as  anteriores, na importância da caridade, da benevolência, das provas e  da aceitação. 
Volta e meia, Francisco e André eram citados, e  excertos de suas obras exemplificavam o ensinamento do Palestrante. A  dirigente lembra que há no lugar um estudo sistematizado sobre as obras  do último autor e a importância de adquiri-las. 
Desavisados,  alguns participantes, neófitos, sedentos de conhecer, se inquietavam nas  cadeiras de plástico, fugindo por instantes da atmosfera real do lugar e  forçando a vista para enxergar vultos (inexistentes), espíritos (não  presentes) e algo que enfim mostrasse o que destoava no Espiritismo das  velhas igrejas... A ausência de Kardec e de outros pensadores espíritas  na fala dos presentes suscitou a dúvida de que era realmente aquele, o  endereço conseguido na internet, do Centro Espírita do bairro.
Os pensamentos incautos, foram interrompidos pela despedida do  palestrante,pelos avisos gerais e pelo levantar apressado da platéia que  se dividiu entre a fila para uma saleta anexa e a saída, não sem antes  avançarem quase todos para os cupcakes, digo, para os copinhos d’água  abençoados pelos espíritos que respondiam pela casa. 
Os mais  necessitados, substituíam os copinhos de café pelos de água, aumentando a  dose do remédio espiritual...sem temer superdosagem ou overdose de  proteção.
Na saleta ao lado, as mãos suspensas sobre as cabeças  submissas, davam benção, permissão e direção para seguirem em paz para  suas casas até a semana seguinte.  Um último copinho de água  fluidificada - que realmente não estava sólida em nenhum dos copinhos -  fechava o ritual tão inesperado por sua mesmice.
Do lado de  fora, uma lufada inesperada de vento seca o rosto choroso dos bebês,  entra na salão e dança em volta da jarra que tem um resto de água morna e   em seguida uma chuva gostosa começa a cair lentamente sobre os  neófitos que caminham até os carros estacionados. E ninguém apressa o  passo.
- Chuva inusitada numa noite tão abafada! Um verdadeiro milagre de Deus. Disse um.
- Feito o Espiristimo? Interrompe o outro.
- Feito o  Espírito da água, ri o primeiro apontando  para o céu.  Fenômeno natural  e milagrosamente simples. Te encontro mais tarde na  net naquela comunidade que fala de Kardec...
quinta-feira, 1 de março de 2012
O Espírito do Vento
Quem  nunca se viu as voltas em dúvidas sobre situações que remetem a  experiências espirituais?  Sonhos inusitados com cores e tons diferentes  dos habituais onde reencontramos pessoas especiais que já fizeram o  trajeto de volta ao mundo espiritual ou mesmo com pessoas desconhecidas  que  intrigaram nossa imaginação...sonhos históricos, onde vivenciamos  episódios inusitados e detalhados de outras realidades que fogem à  nossa...
O inesperado muitas vezes vem no momento de vigília,  naquele relance de visão de algo que passou e parece ter deixado um  rastro de luz, um cheiro gostoso no ar, um frio gelado apesar das  janelas estarem fechadas.
Encontrar aquela pessoa que não vemos há  anos e sobre a qual falamos no dia anterior ou acabamos de pensar,  também sacode nosso imaginário ou nossa curiosidade.
Decifrar  algo que não está catalogado no Google, nem tem o respaldo de nenhum  meio científico, sempre nos cataloga na categoria de meros crédulos   leigos e supersticiosos.
Mas, nesta balança onde de um lado  pende a matéria e do outro o espírito, usar o contrapeso da razão é  sempre prudente, mesmo que esta racionalidade nos empurre para caminhos  não convencionais.
O primeiro dever de casa é o de derrubar as  paredes que construímos  com tijolos frágeis da credulidade e  substituí-los por alicerces que venham ao encontro de nossa  inteligência, que apesar de limitada pela vastidão do desconhecido,  ainda é  o norte saudável da nossa condição humana.
Sabemos que  nossa mente é poderosa, mas não temos dons ou superpoderes, podemos  sim, condensar vivências, desejos, conhecimentos esquecidos em nosso  inconsciente e tudo isto pode ser revertido em sonhos inusitados,  editados por nossa mente  tão criativa quanto a daquele carvalesco da  Unidos da Tijuca.  E tal qual o público de uma escola de samba, nos   surpreendemos com as criações formidáveis deste carnavalesco emocional   chamado mente, que tantas vezes converte nossos desejos ou nossos medos  em fantasias, sonhos, visões tão reais que as dúvidas quanto a sua  autenticidade ou realidade seriam pecado se pecados existissem e também  não fossem fruto de nossas fantasias e temores.
Ahhh! Mas nem  todas as peças podem ser creditadas ao cérebro! Inocente tantas vezes  quando o real culpado é o vento que trás cheiros familiares ou  inusitados. O vento, este culpado que corre  rápido levando consigo as  provas do crime, carregando-as  como as trouxe, silencioso e  transparente.
Nossa mente, o vento...e onde fica o fenômeno  espiritual? A verdade do Espiritismo? Aquela que nos diz que o mundo   espiritual está aqui do nosso lado, tal qual uma dimensão que não  enxergamos por não termos todos,  enquanto encarnado, o sentido  necessário à sua percepção?  A que nos informa que os homens  desencarnados  deslizam ao nosso redor, arraigados  às suas paixões  carnais? Aquela que nos vislumbra que os espíritos podem sussurrar aos  nossos ouvidos seus conselhos e verdades condizentes com seus graus de  evolução?  A que nos quase surpreende quando informa que os eles podem  se fazer visíveis se necessário, mesmo que nossos olhos não tenham sido  preparados para ver ou nossos ouvidos para ouvir, avançando pelas  fronteiras da nossa ignorância.
Frágil, insegura, subversível é  a linha que separa o real do imaginário. Sim, porque não tenha dúvida  de que o mundo espiritual é real e que as orientações fundamentadas na  Doutrina Espírita são autênticas e apoiadas na fé racionada, fé esta que  clama à nossa razão a cada vez que duvidamos, que oscilamos nossas  incertezas na balança onde oscila a crendice cega e a realidade,  realidade não menos maravilhosa e espetacular, pois nos permite  experienciar o espetáculo de estarmos espíritos encarnados,  “evoluintes”, fazedores de nós mesmos e de nosso amanhã infinito.
Sopra por aqui um vento silencioso que trás cheiro de chuva, enquanto  um sol tórrido queima as telas na parede... Um olhar curioso se debruça  sobre a janela e o fenômeno se revela no jardineiro do prédio ao lado,  molhando o jardim. É o verdadeiro espírito do vento. E a fé continua  queimando do lado de dentro, fortificada pela verdade, sempre...
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